Argus Série C. Prática, robusta, popular

Uma câmera popular, massivamente fabricada pela Argus em Ann Arbor, Michigan de 1939 a 1966. Chamada de “lancheira”, pelos japoneses e “tijolo” pelos norte-americanos, por seu formato retangular, semelhante a esses dois objetos.

Foram 27 anos de sucesso na produção de milhares de unidades desse “tijolo” que encantou outras milhares de pessoas e continua encantando os colecionadores e entusiastas da forma mais clássica de se escrever com a luz. Mais de 60 modelos de câmeras, desde infantis, turísticas e até digamos, com um toque feminino, como a Lady Carefree, que insere classe e cor nos seu desenhos.

Argus Lady Carefree

Mas voltemos ao seu carro chefe: a série C.

Argus C

Construída basicamente de plástico, baquelite e metal. O baquelite é uma resina totalmente sintética, descoberta por Leo Hendrik Baekeland (1863-1944) em 1909, depois de vários experimentos com a polimerização de fenol e formaldeído, pela ação do calor e da pressão.

Leo Hendrik Baekeland

Foi a primeira resina sintética do mundo, que era moldável quando quente e depois de fria, resistia bem ao calor e a forças mecânicas. Lembram-se dos antigos telefones pretos, cinzeiros, cabos de panela, que eram duros como pedra, pesados e resistentes? Tanto esses quando um estrondoso número de outros produtos na atualidade ainda são feitos com esse material, inclusive no ramo automotivo. Baekeland (daí o nome baquelite, do inglês, bakelite…), fez fortuna após vender a patente de seu papel fotográfico chamado Velox para nada mais nada menos que George Eastman por meio milhão de dólares. Isso era uma fortuna em 1899! Criou o seu próprio equipamento, onde se produzia o bakelite, batizado de “bakelizer”.

O “bakelizer

O corpo da Argus C era totalmente feito de baquelite, com frisos de metal cromado, algumas partes fundidas em metal e os painéis frontal e traseiro, revestidos de couro sintético. Tinha controle de velocidade de obturação, telêmetro (rangefinder) e ajuste de foco em roldanas no painel frontal.

As velocidades de obturação iam de 1/5s até 1/300s, mais a função B, exposição longa, bastando girar o botão do disparador. Aberturas de f3,5 à f18, numa objetiva Cintar de 50mm. Para focalizar a Argus C com precisão, eram necessárias duas operações. Primeiro se usava o controle do telêmetro para calcular a distância até o objeto, e então ajustava-se o anel de foco para coincidir com essa leitura.

O telêmetro era constituído de um segundo visor, que produzia uma imagem bipartida e quando se rotacionava o anel de ajuste, as duas imagens fundiam-se em uma só, tendo-se assim, o ponto exato de foco para aquele objeto. Meses depois, a Argus lançou o modelo C2, onde foram acoplados os controles de foco e telêmetro, com a inserção de mais uma engrenagem, tornando mais simples o trabalho em uma só operação. Até então, o fabricante mantinha inscrições de velocidade de obturação no disco de ajuste. Mas a partir do modelo C3, as coisas mudaram…

Argus C2

Na Argus C3 e C3 Matchmatic foram mantidas praticamente a estrutura e desenho das anteriores, com pequenas mudanças. Na Matchmatic o anel de de velocidade de obturação perdeu as indicações anteriores (com dez pontos de velocidade) e passou a ser mais genérico, com apenas cinco pontos, de 4 à 8 sendo divididos entre “action” – de 7 à 8 – para objetos em movimento, e “scenes” – de 4 à 6 – para retratos.

Chave seletora de velocidade de obturação da C3 Matchmatic

Acredito que como era uma câmera muito popular, o fabricante quis simplificar os ajustes, sem que fosse necessário um estudo ou aptidão para características técnicas. E as aberturas ficaram entre f3,5 e f8, com passos de 4, 5, 6 e 7.

Foi incorporado um fotômetro de selênio, numa sapata no topo da câmera. O fotômetro mostrava a abertura correta que deveria ser ajustada no anel correspondente na objetiva, para uma exposição correta. O selênio é um material encontrado na crosta terrestre. Um micronutriente essencial à vida e prevenção de doenças e seus derivados são largamente usados na fabricação de inúmeros produtos como inseticidas, indústrias de vidro, indústrias de borracha, xampus e muitos outros. Foi descoberto pelo químico sueco Jöns Jacob Berzelius (1779-1848) em 1817,

Jöns Jacob Berzelius

executando experiências com calor, oxigênio e ácido sulfúrico. Além de muitas propriedades desse material já citadas, existe o efeito fotoelétrico, que se traduz em geração de corrente elétrica quando da incidência de luz sobre esse material. Daí seu emprego em células fotovoltaicas e fotômetros, dispensando-se o uso de pilhas. O funcionamento desses fotômetros é um pouco mais lento do que os modernos alimentados por baterias porém, para a época, foi um avanço monumental. A famosa e popular câmera Olympus TRIP-35

Olympus Trip 35 e seu fotômetro de selênio ao redor da objetiva

também usava esse tipo de fotômetro ao redor da objetiva.

C3 Matchmatic completa, com fotometro e flash

O carregamento do filme 35mm é idêntico nos modelos da série C, bem como avanço do filme e disparo. Após o disparo, era imprescindível lembrar-se de avançar o filme, sob pena de imagens duplas ou triplas, já que disparo e avanço eram sistema independentes. Existiam na época vários acessórios, como disparador remoto (com fio), flash e muitos outros. Curioso é que o flash era encaixado na lateral da câmera. A sapata no topo da câmera, idêntica a usada nos modernos speedlites, era usada para se encaixar o fotômetro. Um usuário desavisado pode até encaixar seu flash nessa sapata, porém, ele não vai disparar…

A chamada sapata fria (cold shoe), onde se conectava o fotometro, e não o flash.

Devido à sua popularidade, foi utilizada por muitos fotógrafos, entre eles Tony Vaccaro,  que na segunda guerra, tinha a particularidade de revelar seus filmes no front, usando capacetes de soldados para depositar os químicos de revelação; Duane Michels, que usou uma C3 para fazer vários ensaios com imagens duplas, aproveitando essa “facilidade” de ter mecanismos de avanço de filme e sistema de disparo independentes. Celebridades como o ex-presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter também usou uma C3 nas inúmeras fotos que produziu enquanto estava a serviço da Marinha e também em suas viagens.

Argus C3 que pertenceu a Jimmy Carter

Essa câmera também foi estrela em vários filmes de sucesso. Em 1941, no filme “In The Navy”, com Abbot e Costello, há uma perseguição onde um personagem tenta de todo o modo fotografar o outro com uma C3. Num episódio da saudosa série Columbo, “Dagger of Mind”, Peter Falk, o grande ator que interpreta o personagem central que dá nome à série, aparece com uma C3 em punho fotografando a troca de guarda no Palácio de Buckingham.

E no filme “Harry Potter e a Câmara Secreta”, o personagem Colin Creevey aparece empunhando uma Argus C3 Matchmatic fotografando Harry. Depois dessa aparição nesse famoso filme, seu valor subiu nas cotações de colecionadores…

C3 Matchmatic num episódio da série Harry Potter

Eu, tive a sorte de, aos 17 anos, ser presenteado com um exemplar dessa câmera, por um tio que sabia bem da minha paixão por fotografia. Uma C3 Matchmatic em perfeito funcionamento, com estojo original de couro, porém, sem o fotômetro, que na época eu nem sabia que existia! Seguem algumas imagens da minha Argus C3 Matchmatic, que guardo até hoje como uma lembrança dos tempos de ouro da fotografia analógica.

Tenho guardadas centenas de fotos em papel, as mais antigas com cerca de 40 anos… É uma verdadeira epopeia fotográfica onde no início, sem técnica, sem ter uma identidade fotográfica, fui fotografando tudo o que via no caminho. Da Kapsa, passei para a Argus, depois uma Praktica MTL-3, então uma Canon A-1 que adorava, fui para uma Nikon D-70S e agora com uma Nikon D-7200. E na maioria das vezes meu inseparável celular! Nesse túnel do tempo fotográfico, selecionei quatro imagens captadas pela minha Argus C3 Matchmatic, que consegui encontrar nos meus guardados, a seguir…

Operava a câmera quase que no instinto, pois não tinha ainda a visão de enquadramento, foco, etc… Sabia que se o ambiente estivesse muito claro, tinha que fechar o diafragma. Se escuro, o contrário… E eu, com 18 anos, andava pelas ruas sempre com ela à tiracolo (há 40 anos atrás isso era perfeitamente possível e o centro de São Paulo era um local agradável e seguro). Tenho muitas fotos feitas com a minha C3 mas no momento apresentei as quatro acima… Notem na foto com o espelho da mama, a pequena C3 do lado direito, um pouco sem definição mas foi o máximo que consegui na época…

Hoje, podemos deixar a criatividade aflorar ao máximo com câmeras cada vez mais fáceis de se operar. Os celulares se tornaram verdadeiras usinas de produção de imagem, desde que comandadas por cérebros ávidos de conhecimento e criatividade. Pois de nada adianta termos um equipamento caro e pesado se não soubermos usar a maior, melhor e mais poderosa máquina já construída pela Natureza: o nosso cérebro!

Refeências:

https://www.engquimicasantossp.com.br/2012/10/baquelite.html

https://en.wikipedia.org/wiki/Argus_C3

https://en.wikipedia.org/wiki/Argus_(camera_company)

http://camera-wiki.org/wiki/Argus_Chttp://camera-wiki.org/wiki/Argus_C

https://rosiesworkshop.com/harry-potter-argus-c3-tan-flash-story/

http://vieilalbum.com/ArgusC3MatchMaticUS.htm

http://www.househogwarts.com.br/2018/06/por-que-morte-de-colin-creevey-foi-mais.html

http://vieilalbum.com/ArgusC3MatchMaticUS.htm

https://en.wikipedia.org/wiki/Argus_C3#/media/File:Jimmy_Carter_Library_and_Museum_13.JPG

https://www.jimmycarterlibrary.gov/research/collections

https://pt.wikipedia.org/wiki/J%C3%B6ns_Jacob_Berzelius

https://americanhistory.si.edu/collections/search/object/nmah_622

2 respostas para “Argus Série C. Prática, robusta, popular”

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